Responder à pergunta “Quem sou eu?” é complexo. Somos muitas pessoas dentro da mesma, consoante os diferentes papéis que desempenhamos no dia-a-dia e até consoante as várias vidas que vamos tendo dentro da nossa. É expectável e saudável mudarmos os interesses e formas de pensar. Vamos sendo um resultado de todas as pessoas com quem lidámos, conversas que escutámos, matérias que estudámos, viagens que fizemos. E, por isso, é natural que seja difícil responder, numa só frase, à pergunta “Quem sou eu?”.
A verdade é que na correria diária vamos abafando necessidades, seja pela dificuldade em dizer “não”, pelo julgamento dos outros ou pela pouca disponibilidade de nos escutarmos. Mais cedo ou mais tarde a negação da nossa própria essência tem reflexos: a nível mental e físico.
Não são raras as vezes que se começa a usar a comida como forma de compensação: num dia de trabalho exaustivo tudo o que mais apetece é pegar naquele pacote de bolachas ou batatas fritas e comer sem pensar, enquanto se espreitam as redes sociais ou se faz zapping na televisão. Passamos a usar a comida não para nos nutrir mas para nos distrair do que vivemos. Ao vermos a vida dos outros, sempre perfeita e imaculada, como convém às redes sociais, comparamo-nos. Mesmo que inconscientemente. Olhamos a nossa vida, o nosso corpo, e percebemos que se perdeu no meio de todos os “nãos” que não fomos capazes de dizer e em todos os momentos em que priorizámos qualquer pessoa, menos nós.
Queremos, então, mudar. E partimos do pressuposto que a solução é igual para todos. Imitamos a dieta da vizinha, seguimos os conselhos que ouvimos numa conversa de café. Compramos alimentos novos que nem sequer sabemos cozinhar porque estão na moda e porque mencionam que são ricos em fibra, sem glúten e sem lactose. Acreditamos, pela indústria do marketing, que nos tornarão saudáveis. Acompanhamos todos os pratos com legumes, da noite para o dia, e calamos a nossa voz interior que nos diz que não gostamos daquele sabor. Começamos a praticar exercício físico todos os dias, contra a nossa vontade e odiando ginásios, porque acreditamos que ser saudável é fazer sacrifícios. Recusamos jantar fora porque não queremos dizer que não ao pão da entrada nem à sobremesa, mesmo que seja a dividir. E tornamo-nos ainda mais infelizes, mesmo estando a fazer tudo o que a vizinha prometeu que resultou com ela. Os resultados não aparecem e como não vivemos numa redoma, os desafios da vida continuam a empurrar-nos para o sofá, depois de termos passado na despensa e termos agarrado no pacote de bolachas que nos vai acompanhar no serão, quando a casa ficar, finalmente, em silêncio.
E é assim que nos vamos perdendo: quando tratamos o bem mais precioso – a nossa saúde – com uma leveza desajustada. Quando deixamos de nos questionar “Quem sou eu?”. Quais são as minhas motivações? O que quero mudar em mim? Por que quero mudar isso em mim? Tentamos encontrar respostas nas soluções dos outros, que são naturalmente diferentes, que se cruzaram com pessoas diferentes, ouviram pessoas diferentes, tiveram e têm vidas diferentes.
Qualquer mudança deve respeitar, primeiramente, quem somos. E o respeito começa quando percebemos que precisamos de alguém que oiça a nossa história, que é única. Um profissional que entenda as nossas dores e nos ajude a chegar onde precisamos, ao nosso ritmo, não esquecendo a nossa individualidade. Um profissional com quem podemos ser quem somos, com todas as vidas que existem em nós e com todas as que ainda viveremos.
Este artigo faz parte da edição de novembro de 2021 da Revista Progredir.