Liberdade de escolha na alimentação

Liberdade e alimentação têm uma relação bem mais estreita do que possa parecer. Em Portugal, os hábitos alimentares inadequados (nomeadamente baixa ingestão de fruta, legumes, cereais integrais e frutos secos e consumo excessivo de carnes processadas e sal) são o fator de risco que mais contribui para o total de anos de vida saudável perdidos [em Direção-Geral da Saúde, (ed.) Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. 2017]. Posto isto, quão fascinante é termos o poder de escolher o que comemos?

Comer deve ser visto como uma forma de nos nutrirmos, dar amor a nós mesmos e ao outro – quando, por exemplo, cozinhamos para alguém. Visto neste prisma, podemos e devemos ter liberdade de escolha no que diz respeito ao que comemos. E essa liberdade também pressupõe que a escolha seja baseada na premissa “eu quero” em vez de “eu tenho de”. Numa mudança de hábitos alimentares, seja por que motivo for, é preciso motivação e consistência. Partindo de obrigações e proibições, como quando dizemos “eu tenho de comer mais legumes” ou “eu não posso comer doces”, não será muito expectável que essa mudança seja sustentada ao longo do tempo. Mas se essa escolha vier na base do amor-próprio, de entendermos que de outra forma não nos estamos a nutrir em prol da nossa saúde e bem-estar, então em vez de dizermos “eu tenho de comer mais legumes” podemos afirmar “eu quero comer mais legumes”. E em vez de dizermos “eu não posso comer doces” podemos afirmar “eu não quero comer doces todos os dias”. Como podemos pensar desta forma? Tendo informação necessária que sustente a importância dessa mudança e tendo motivos, realmente fortes, para agir nesse sentido. Não se trata de uma obrigação mas de um estilo de vida.

E será que o tipo de alimentação que adotamos tem de ser igual para todos? Claro que não. Apesar de estar estabelecido que uma dieta saudável padrão consiste numa diversidade de alimentos de origem vegetal, pequenas quantidades de alimentos de origem animal, gorduras insaturadas em alternativa às saturadas e baixa quantidade de grãos refinados, alimentos excessivamente processados e açúcar [em Walter Willet, MD, et al. “Food in the Anthropocene: the EAT–Lancet Commission on healthy diets from sustainable food systems, The Lancet Comissions. 2019; 393(10170): 447-492], há muitas formas de seguir este padrão. Assim, aquele que escolhe continuar a ingerir carne e peixe, ainda que em menores porções, pode ser tão saudável como o que exclui todos os alimentos de origem animal. Qualquer padrão alimentar necessita de ser variado, equilibrado e completo para que possa fornecer os nutrientes necessários. Por conseguinte, em vez de julgarmos as escolhas do outro, olhemos para as nossas e interroguemo-nos sobre o que podemos fazer para melhorar (por nós, pelo ambiente e gerações futuras).

Por último, vale a pena acrescentar que as constantes partilhas de informação sobre alimentação nem sempre ajudam a sermos, de facto, livres nas nossas escolhas. Há alimentos rotulados como bons e maus, alimentos ditos saudáveis e não saudáveis, que engordam ou emagrecem, que fazem mal ou fazem bem. Podemos cair no erro de ser escravos da alimentação quando queremos comer de forma saudável. Mas a verdade é que saudável é muito relativo porque depende de cada pessoa. Por isso, vale a pena fazer as pazes com a comida e perceber que, acima de tudo, somos únicos e livres para poder tomar decisões informadas.

É livre a pessoa que decide cometer excessos alimentares, consciente, e que volta à sua rotina não porque “tem de” mas porque é na rotina que se sente realmente bem. E este trabalho é moroso, sim. Mas vale a pena percorrê-lo, com a ajuda de um nutricionista e, muitas vezes, em equipa com um psicólogo. Aproveitemos o facto de sermos livres e de utilizar isso a nosso favor, nas escolhas diárias que fazemos, naquilo que decidimos pôr no prato.

Este artigo faz parte da edição de julho de 2020 da Revista Progredir. Pode aceder aqui.

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